sexta-feira, 1 de maio de 2015

Não sou um saco de batatas. Sou um tetraplégico

Abaixo a minha nova crónica no Jornal Abarca.

Vem sozinho? Sim. Ah, então não sei como vou pô-lo na marquesa. Cada vez que vou realizar um exame de diagnóstico é esta a lenga-lenga que ouço. Ao chegar na clínica e verificarem que não consigo realizar as transferências sozinho para as macas/marquesas, é inevitável não ficar sujeito a este tipo de comentário.

Encoste aí a cadeira que eu já venho. Tenho de ir ver se arranjo alguém para me ajudar. Eu sozinha não consigo. Geralmente aparecem-me duas mulheres e 1ª coisa a fazerem é começar a tentar manobrar e empurrar a minha cadeira de rodas elétrica. Só ouço gemidos e cadeira obviamente não sai do lugar. Parecem umas baratas tontas de volta de mim. Tento explicar que cadeira de rodas é eletrica, muito pesada, que também tenho uns 60 quilos...desistem e vão chamar mais alguém.

Chego a ter uma pessoa em cima da marquesa, outra a pegar-me nas pernas, e outra a empurrar-me o rabo. Até parece que isso é suficiente. Tento mais uma vez explicar o melhor método de transferência, mas se não somos ouvidos não é fácil. Um drama. Olho para a bancada e já me vejo a bater com o rabo com toda a força naquele material duro. Até arrepia.

Última vez que isso aconteceu foi 5ª feira última. Ao entrar na clínica para realizar a ressonância, bombeiros avisam que vão esperar-me na ambulância,   imediatamente a recepcionista atira: "esperem, quem vai transferi-lo para a marquesa?" Ainda atiro, "olhe, se viesse sozinho como seria"? Ah, nesse caso logo se via.

Até no CMR Alcoitão, um centro que praticamente só recebe pessoas com mobilidade reduzida, existem dificuldades. Vejam aqui: http://tetraplegicos.blogspot.pt/2011/07/um-raio-x-no-cmr-de-alcoitao.html

Certa vez num hospital particular sou encaminhado pelo médico para uma sala de tratamentos, enfermeira ao verificar que não conseguia transferir-me sem ajuda, imediatamente liga para o médico e solicita a sua ajuda. Boa maneira de resolver o assunto.

Já me aconteceu de tudo. No inicio da lesão era muito complicado passar por estas situações, chegava a sentir-me culpado do trabalho dado e reboliço que criava, mas com o passar do tempo fui-me acostumando. Agradável continua a não ser, mas já não me sinto culpado. Pelo contrário, encaro como sendo uma obrigação das entidades criarem condições para que seja atendido com a melhor qualidade possível, inclusive transferirem-me como pessoa e não como sendo uma mercadoria.


É de lamentar que estes espaços continuem a não preparar os seus recursos humanos para saberem transferir dependentes com as técnicas adequadas e munirem-se de equipamentos que os auxiliem, como por exemplo gruas, tábuas de transferência, ou outro dos vários equipamento disponíveis no mercado.

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