domingo, 29 de novembro de 2015

Não deveria ser noticia uma cega no Governo

Por João Adelino Faria

No parlamento há um deputado paraplégico, e nas eleições houve uma candidata transexual. Só é lamentável que tudo isto ainda seja notícia em Portugal.


Foi uma das melhores respostas de sempre de um primeiro-ministro aos jornalistas. Após ter sido eleito chefe do governo do Canadá, perguntaram ao jovem Justin Trudeau porque tinha escolhido um executivo com 15 mulheres, um quadriplégico, uma cega, um refugiado afegão e um sikh. Sem pestanejar, respondeu incrédulo: ”Porque estamos em 2015!”.

Na Alemanha, um dos homens mais poderosos, o ministro das finanças Wolfgang Schauble, desloca-se numa cadeira de rodas mas ninguém nota, não é relevante. Os britânicos tiveram um cego como um dos mais competentes ministros. David Blunkett ocupou várias pastas mas foi como ministro do interior que se destacou. Manteve o Reino Unido seguro e combateu sem descanso o terrorismo, sempre sem mostrar um sinal de fraqueza ou de incapacidade. Só precisava do cão guia, nada mais.

Em Portugal ainda combatemos o preconceito de forma preconceituosa. Há mesmo muito para fazer pela inclusão, e seguramente não é com o exaltar na imprensa das diferenças de alguns dos novos governantes e deputados que caminhamos no bom sentido. É quase chocante perceber que factos como estes ainda fazem manchetes nos nossos jornais. Devemos elogiar e aplaudir estas pessoas por terem sido escolhidas, ou eleitas, para desempenhar funções tão importantes. Seguramente estão nestes cargos porque são as mais competentes, talvez até as suas diferenças e em alguns casos deficiências as tenham tornado mais capazes para a tarefa que têm pela frente. Devemos-lhes, no entanto, o respeito e a obrigação de não as destacar pelas razões erradas.

Infelizmente, ainda estamos muito atrasados, ou distraídos, em relação a um assunto que já não o deveria ser neste século. Talvez eu tenha o privilégio de ter sido educado naturalmente nesta matéria. Não consigo por isso entender esta discriminação, mesmo que involuntária e inconsciente nos jornais.

Um amigo meu está há anos numa cadeira de rodas, não tem qualquer mobilidade e é cego, mas faz-me esquecer todos os dias que é diferente. Apesar das grandes dificuldades, tirou um mestrado em gestão (e foi um dos melhores alunos), está a escrever um livro, tem projetos para transformar cidades e financiar obras que ajudem a facilitar a vida dos deficientes. Para além de tudo isto, tem um sentido de humor único e uma ironia requintada. Ele nunca se queixa, nem culpa ninguém pelo acidente que o deixou nesta situação. Talvez por isso, quando estamos juntos, esqueço quase todas as suas limitações, com as quais ele já se habituou a viver! Os dois discutimos filmes que ele “vê”, livros que ele “lê” e até as festas onde foi. Com ele ironicamente a vida parece-me bem melhor, mais fácil, mais normal. Se ele já derrubou tantos e difíceis obstáculos, porque será que nós ainda não conseguimos sequer ultrapassar a simples discriminação?

Fonte: Dinheiro Vivo

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