sexta-feira, 5 de maio de 2017

Alimentação e pessoas com deficiência

Estima-se que possam existir mais de 900 000 cidadãos portugueses portadoras de deficiência numa população residente de 9,8 milhões de indivíduos. Estes dados coincidem com os da Organização Mundial de Saúde (OMS) que sugere que 10% da população mundial seja portadora de algum tipo de deficiência ou incapacidade.
Os números são dramáticos. Em particular quando se pensa nos apoios que estes cidadãos e suas famílias têm para ultrapassar as dificuldades diárias com que se deparam. Dificuldades económicas, de emprego, mobilidade, apoio na doença…inserção na sociedade. Para dar alguns exemplos, 75% das pessoas cegas na União Europeia estão desempregadas, a proporção de crianças e adolescentes com deficiência visual que desenvolveram obesidade ou pré-obesidade varie entre 18,4% e os 63%, valores acima da média quando comparados com crianças sem problemas de visão. Para muitas destas situações, os apoios são diminutos e em algumas regiões do país quase inacessíveis.

A nível alimentar, os problemas mais comuns nas pessoas com deficiência são o baixo peso, obesidade, obstipação, problemas de deglutição/disfagia e as interações medicamento/alimento. A seriedade dessas condições depende de vários fatores individuais como a idade ou o nível de disfunção motora e ainda a literacia da família e condições socioeconómicas. Coisas simples como chegar a produtos alimentares nas prateleiras mais altas dos supermercados, não conseguir identificar produtos alimentares por estes não conterem informações em Braille, não encontrar utensílios adaptados para a realização das refeições ou barreiras arquitetónicas que dificultam entrar e permanecer em restaurantes, são algumas das situações que impedem os portadores de deficiência de terem uma vida alimentar normal.

Não é possível a uma pessoa portadora de deficiência ter uma boa qualidade de vida, se o seu estado nutricional não for o adequado. É imprescindível que a sociedade se preocupe e desenvolva mecanismos de proteção dos seus membros mais vulneráveis. Recentemente, a Direção-Geral de Saúde publicou um texto sobre a Dieta Mediterrânica em braille bem como podcasts sobre alimentação saudável. Mas nesta área está ainda muita coisa por fazer.

Os profissionais de saúde e educação têm de saber lidar melhor com estas pessoas e perceber as suas necessidades, pois estas poderão ter não ter capacidade para comunicar a sensação de fome e saciedade ou as suas preferências alimentares. Por exemplo, a má coordenação motora e/ou a má postura frequente em certos tipos de deficiência, tanto ao nível dos membros superiores como ao nível da deglutição, leva a uma diminuição da ingestão alimentar com consequente redução da ingestão de nutrientes. O refluxo gastroesofágico, bastante recorrente, e o atraso do esvaziamento gástrico contribuem também para a diminuição da absorção de nutrientes. Estes são alguns exemplos que obrigam a intervenções alimentares individualizadas para aumentar a densidade nutricional das ementas, fornecendo, por exemplo, mais vitaminas e minerais por caloria consumida.

A obstipação é outro problema comum nas pessoas com deficiência física ou deficiência intelectual. Pode ser causada por uma malformação anatómica ou neurológica do intestino ou por uma tonicidade anormal muscular – por exemplo hipertonia na paralisia cerebral do tipo espástico ou hipotonia na síndrome de Down, que pode prejudicar o funcionamento intestinal. Esta situação deve obrigar ao aumento do consumo de líquidos em jejum, ao consumo frequente de fruta e hortícolas e a determinado tipo de exercício físico. O apoio de um técnico e das famílias é mais uma vez essencial.

E muitas mais situações poderiam ser descritas. As instituições necessitam de investir mais em recursos humanos qualificados, pois estas famílias necessitam de maior apoio humano e material. Por exemplo de coisas tão simples como talheres apropriados.

Um trabalho enorme ainda por fazer… desde a formação dos profissionais de saúde e educação para lidar com estas pessoas até às empresas que produzem e distribuem alimentos. Alertar, mobilizar, dar um pequeno passo no sentido da ajuda, multiplicado por muitos pode tornar a sociedade mais inclusiva e justa para muitos destes cidadãos, habitualmente sem voz pública. Vamos meter mãos à obra?

Nota: Os interessados pelo tema podem encontrar mais informação técnica no manual da DGS, “Alimentação e deficiência(s)” disponível gratuitamente e on-line.

Fonte: Visão

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